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sábado, 15 de setembro de 2012

Artigo de Opinião


RELEVÂNCIA CRESCENTE DO OCEANO ÁRTICO
Henrique Reinaldo Castanheira
Sara Peralta

O aquecimento global e o consequente degelo estão a redesenhar a geoestratégia do Ártico, permitindo o desenvolvimento de uma série de atividades económicas ligadas à exploração dos recursos naturais do Círculo Polar, com enfoque para o petróleo, gás natural, minerais (cobre, níquel, ferro, por exemplo), reservas haliêuticas, e naturalmente, a possibilidade de se estabelecerem duas novas rotas marítimas entre a Europa do Norte e a Ásia, e entre a América do Norte e a Ásia. Essas rotas são a Northern Sea Route (ou também conhecida como Northeast Route), que segue o norte do litoral euroasiático, em média 40% mais curta que a Rota do Suez, e a Northwest Passage, entre a América do Norte e a Ásia - a norte do Canadá e do Alasca - reduzindo a Rota do Panamá em cerca de 4000 km.
Desde 1979, o Ártico perdeu 20% da sua superfície gelada num processo que poderá culminar com o desaparecimento da calota polar em 2070[1](segundo um estudo da Universidade de Bergen). Em 1987, o gelo ártico cobria uma superfície de 7,5 milhões de km2. Em 2007, esta área diminuiu para 4,1 milhões de km2 permitindo, pela primeira vez, a abertura da Northwest Passage à navegação, ligando o Pacífico ao Atlântico. Circunstância que reduz em 40% a distância marítima entre o Noroeste Asiático e a Europa.
O acesso ao Ártico tem gerado uma “corrida” à delimitação de fronteiras nos países do Círculo Polar Ártico: EUA, Canadá, Rússia, Noruega, Islândia e Dinamarca. De facto, persistem, atualmente, três disputas fronteiriças: entre a Dinamarca (Gronelândia) e o Canadá a propósito do ilhéu de Hans; entre os EUA e o Canadá quanto ao controlo e gestão da Northwest Passage; e entre o Canadá e os EUA sobre a delimitação da fronteira marítima no Mar de Beaufort.
O interesse geoestratégico pela região do High North prende-se, para além do ganho de tempo e diminuição dos custos relativos à navegação, com a importância dos recursos naturais estratégicos: o Ártico concentra cerca de 25% das reservas mundiais de hidrocarbonetos (na sua maioria localizadas no Ártico russo, nomeadamente na ilha Sakhalina e no mar de Barents). Explorações estão em curso na Nova Zemble (Rússia), Svalbard (Noruega), em Beaufort e no Delta do Mackenzie (Canadá). O primeiro fluxo industrial de gás natural do Ártico deverá começar a fluir ao mercado internacional em 2013-14, a partir dos offshores do mar de Barents e do mar de Kara.
As disputas fronteiriças existentes devem ser abordadas à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982). Com efeito, a Convenção, também conhecida como a Convenção de Montego Bay, permite aos países que possuam frente marítima estenderem os seus direitos de exploração de recursos naturais além das 200 milhas (Zona Económica Exclusiva/ZEE). No entanto, tal pressuposto só assiste os países que forneçam provas científicas de que esta extensão constitui o prolongamento natural da sua plataforma continental.
Em 2007, um grupo de exploradores russos colocou no fundo do mar uma placa de titânio com a inscrição de que o Pólo Norte era território russo. Este gesto político, sem consequências jurídicas à luz do direito internacional atual gerou, no entanto, alguns protestos por parte dos restantes Estados árticos. Já em setembro de 2008, o então Presidente russo Medvedev reafirmou a intenção em estender a plataforma continental para além das 200 milhas náuticas, à margem do processo em curso, desde 2001, em sede das Nações Unidas, na Comissão para os Limites das Plataformas Continentais (CLCS). As provas geofísicas da pretensão russa foram apresentadas à CLCS, reivindicando toda a cordilheira marítima de Lomonossov. Tal pressuposto chocou com as reivindicações da Dinamarca das águas e solo oceânico a partir da Gronelândia, até a latitude “0”. Situação paralela ocorre entre o Canadá e a Noruega, com Oslo a contestar os fundos marinhos da região de Svalvarg.
Contudo, a falta de cobertura satélite e de radar, a dificuldade nas comunicações e das missões SAR (Search And Rescue) são aspetos que dificultam a edificação de uma arquitetura de segurança. O apoio à navegação será vital para se poder rentabilizar as mais-valias da livre circulação pelas rotas do Ártico. Nas recentes Artic Ocean Conferences, os cinco países do Ártico foram sempre unânimes em manifestarem o seu respeito pela Convenção de Montego Bay, reconhecendo que matéria de delimitação marítima é da exclusiva competência da CLCS. Todavia, apesar das intenções, refira-se que os EUA não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, contrariamente aos restantes quatro Estados.
Adicionalmente, uma semana antes de deixar o cargo de Presidente dos EUA, George W. Bush apresentou a National Security Directive nº 25, de 09 de janeiro de 2009 que, relativamente ao Ártico, aponta para um conjunto de objetivos relacionados com a proteção ambiental; o desenvolvimento  sustentável; a cooperação com as instituições regionais e a criação de parcerias estratégicas entre as nações árticas, bem como o envolvimento das comunidades indígenas nas decisões relativas às suas
áreas.
Esta Diretiva, ao assumir o Ártico como domínio essencialmente marítimo, levanta restrições a algumas pretensões territoriais dos países limítrofes (nomeadamente do Canadá). Neste particular, a mobilidade marítima das forças navais dos EUA é inquestionável e a Diretiva dedica-lhe um ponto específico, assumindo particular importância a questão pendente da definição da fronteira EUA/Canadá no mar de Beaufort e o estatuto internacional da Northwest Passage.
Em 2008, EUA, Canadá, Rússia, Noruega e Dinamarca assinaram a Declaração de Ilulissat, comprometendo-se a resolverem os contenciosos por via pacífica e proteger o frágil ecossistema do Ártico, nomeadamente através de medidas contra a poluição, proteção das populações autóctones, cooperação científica e segurança e a necessária cooperação com os fora regionais, caso do Artic Council e do Barents Euro-Artic Council. Uma cooperação mais estreita com a International Maritime Organization (IMO) será outro dos desafios que se colocam aos países signatários da Declaração de Ilulissat.
O acesso ao Ártico poderá também gerar consequências para a Aliança Atlântica e passará a ser tema recorrente nas cimeiras entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Rússia. Desde 2009 (encontro de Reyjjavik sobre Security Prospects in the High North) que os Secretários-Gerais da OTAN vêm defendendo a prioridade dada pela Organização à segurança marítima internacional. Porém, a OTAN nesta matéria oferece valor acrescentado relativamente a outras organizações como o Conselho do Ártico, o Conselho de Barents ou mesmo a IMO. Na problemática do High North jogam-se questões de natureza civil e militar, pelo que a conjugação de esforços proporcionaria uma complementaridade de abordagens.
Se considerarmos cenários que impliquem uma escalada de tensões regionais, quer ao nível do acesso aos recursos, quer à afirmação de posse sobre novas zonas territoriais, torna-se clara a relevância dos exercícios Multiple Futures da OTAN, bem como os fundamentos que lhe estão associados: criação de um Centro Comum de Informação; consolidação da Força de Reação Rápida; valorização das Forças Especiais e da Logística Multinacional, conceitos inovadores que se perspetivam como respostas à geometria variável dos novos cenários de tensão.
A União Europeia (EU) adotou o documento Climate Change and International Security (2008), destacando as oportunidades da região ártica, quer ao nível da abertura de novas rotas comerciais, quer ao nível de acesso a recursos naturais. A UE, em parceria com a Islândia, Noruega e Rússia desenvolveu a estrutura North Dimention que se traduz por uma parceria estratégica no apoio ao desenvolvimento sustentado do Norte. A procura da individualização do Hight North, no quadro estratégico multilateral, poderá levar à regionalização das questões do Ártico
 
Fonte: REKACEWICZ, Philippe, “La nouvelle géopolitique du monde arctique”, in Le Monde Diplomatique, mai 2011.
e à tentação de criar uma “doutrina de Monroe” para a área.
Se comercialmente a libertação do Ártico é entendida como algo positivo, assim como a disponibilidade de novos recursos energéticos, do ponto de vista ambiental as previsões são problemáticas. Mais do que a ameaça de um confronto entre Estados árticos, a possibilidade de um desastre ecológico poderá representar riscos muito elevados e com consequências diretas no ecossistema global. Encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e proteção de um ecossistema frágil será um desafio.
Para que Portugal tenha uma proximidade efetiva com as questões decorrentes da relevância crescente do Oceano Ártico, bem como do impacto quer económico, quer geoestratégico em discussão, ver-se-ia com interesse a adesão do País a Membro Observador do Conselho do Ártico (tal como acontece com a Espanha, França, Reino Unido, Holanda, Polónia e Alemanha).

Texto da Convenção Montego Bay aqui!




[1] O degelo não tem tido efeito semelhante em termos globais, caso significativo é o Polo Sul. A Antártida viu a sua massa gelada crescer 8% desde 1978. Esta assimetria levanta interrogações sobre o processo linear das alterações climáticas.

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