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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Artigo de Opinião

A OTAN depois de Chicago

Rui Câmara Pina
A Cimeira de Chicago, realizada em maio de 2012, serviu para implementar as decisões de Lisboa, adotadas dois anos antes, e promover três diretrizes muito claras para a Aliança: A Defesa Coletiva, consignada no artigo V do Tratado do Atlântico Norte e tendo por base o Elo Transatlântico, a Gestão de Crises (onde as Operações têm um papel fundamental num novo ambiente estratégico) e as Parcerias.
São estas três vertentes que aqui se afloram:
O Elo Transatlântico
A ligação que une os aliados europeus aos americanos permanece como um dos fulcros vitais da Aliança desde 1949. Essa ligação foi essencial ao longo destes últimos 63 anos, fosse com a chegada à Europa das primeiras armas nucleares táticas no início dos anos 50 (agora chamadas de sub-estratégicas) ou com a instalação dos Euromísseis nos anos 80.
Este elo foi posto à prova com o desaparecimento do Pacto de Varsóvia e o desmantelamento da URSS, mas ele continuou a ser considerado essencial para o novo papel da OTAN no mundo. Porém, de um lado e de outro do Atlântico, a sua perceção está a atingir novos contornos:
- Os Norte-Americanos, principalmente os Estados Unidos da América (EUA), têm uma perceção do mundo diferente dos Europeus, nomeadamente quanto ao Irão, que é avaliado de maneira diferente em ambos os lados do Atlântico.
- Por sua vez, grande parte dos Europeus estão imbuídos dos princípios da Política Europeia de Segurança e Defesa, embora esta não tenha sido posta em prática em várias situações, como no caso da Líbia, como de início os franceses pretendiam.
O fato de a Aliança ser constituída por 28 Estados membros também torna a noção do elo transatlântico mais difusa, e certamente os polacos ou os lituanos têm uma ideia diferente dos franceses ou dos alemães sobre esta ligação. Por isso, de um lado e do outro do Atlântico, têm-se multiplicado as queixas mútuas: Os Americanos consideram que os Europeus não têm capacidades adequadas, enquanto estes justificam essa lacuna devido aos problemas financeiros que assolam a Europa.
Não é de estranhar, pois, que se esteja a registar uma aparente ‘mudança’ na política externa americana para a área do Pacífico/Ásia. A emergência da China e ainda alguma desconfiança sobre os intentos de Pyongyang são razão para tal.
Em conclusão, a situação não é tão grave como na altura da invasão do Iraque mas persistem perceções e sensibilidades distintas que são difíceis de colmatar. Contudo, ambos continuam a precisar um do outro: os Estados Unidos não estão no Velho Continente por um ato de caridade, o seu interesse é ter uma Europa que os apoie, lhes dê garantias na retaguarda e lhes possa legitimar o uso da força. Já os Europeus necessitam da OTAN (e dos EUA) para ultrapassar as ameaças fora do perímetro do Atlântico, pois sabem que não será a União Europeia a fazê-lo.
De momento manter-se-á o princípio da Defesa Coletiva assente nesta ligação. Será que ele irá ser posto à prova proximamente?
 
A orientação estratégica da Aliança e a Gestão de Crises
O Conceito Estratégico da OTAN de 1999, apesar de na altura ter sido considerado um instrumento adequado para fazer face ao mundo do século XXI, veio ser posto em causa logo dois anos depois com os atentados do 11 de setembro. Isso foi um catalisador para as enormes mudanças que começaram a verificar-se e que desembocaram no Conceito Estratégico de 2010.
É normal, portanto, a pergunta: para onde vai a OTAN? O que será da Organização daqui a 3, 5 ou 8 anos?
Para além de todas as discussões académicas e debates analíticos, há várias coisas que se podem perspetivar:
·           O ambiente de segurança é uma consequência do ambiente económico. De forma que a OTAN irá ser sempre o resultado destas duas vertentes;
·           Prevê-se que a crise financeira dure mais tempo que qualquer outra registada após 1945, afetando os gastos com a defesa, mesmo entre os Aliados mais ricos, como os EUA, Reino Unido ou Alemanha. De momento, apenas quatro deles atribuem os 2% consignados para a defesa, mas isso poderá agravar-se dentro de pouco tempo;
·           Uma potencial instabilidade social provocada por esta crise poderá também influenciar negativamente “a retaguarda da Aliança”, criando aquilo que alguns, numa visão muito pessimista, apontam como a ‘balcanização’ do sul e ocidente da Europa (há quem mencione os problemas sociais da Grécia, Espanha e Portugal);
·           A já referida mudança dos Estados Unidos para o Continente Asiático. Claro que ela, a verificar-se, não seria imediata nem traria a ‘desertificação’ americana da Europa (no fundo, o inverso do que foi preconizado por Presidentes como Nixon). E o Continente Asiático não é propriamente uma novidade para os Estados Unidos que já aí lutaram por duas vezes desde o pós-guerra (Coreia e Vietnam).
De qualquer forma, ao contrário de outrora, esta seria agora uma ‘opção competitiva’ e não ‘belicista’, embora aregião do Mar do Sul da China se esteja a tornar num ponto potencialmente inflamável.
·      A influência de eventos ocorridos em diferentes regiões do mundo, desde a Rússia à Primavera Árabe (ou “Inverno Islâmico”, dependendo da sua evolução), passando pelo Irão. Note-se que se, em consequência duma qualquer crise no Golfo Pérsico, os iranianos fechassem o Estreito de Ormuz, a OTAN/EUA não poderiam ser levados a reagir.
·      O Afeganistão tem sido classificado como a principal missão militar da OTAN, aquela que é o barómetro do sucesso da atuação da OTAN. O seu sucesso, porém, só poderá ser avaliado após 2014, no caso de as Forças Nacionais Afegãs manterem o país fora da órbita talibã (ou pelo menos da sua fação mais radical) e não torne o país num novo porto de abrigo do terrorismo islâmico.
 
Assim, quais são as consequências que estas premissas poderão trazer para a OTAN?
Uma primeira consequência é que a OTANtornar-se-á menos global. É verdade que nunca esteve na mente dos responsáveis da Aliança fazer da Organização o ‘polícia do mundo’, mas a OTAN irá progressivamente focar-se em iniciativas regionais (quando os interesses Ocidentais estiverem em jogo) em detrimento das grandes operações globais, como o Afeganistão. As ações no Oceano Índico fazem já parte desta linha de pensamento.
A segunda consequência é que a austeridade financeira reduzirá o número de forças de combate e impedirá a modernização de muitos dos equipamentos militares atuais, além de criar algumas discrepâncias notáveis. Recorde-se que os Estados Unidos gastaram nas sete semanas de operações na Líbia o que gastam numa semana no Afeganistão.
Outra consequência é que a Aliança tenderá a correr menos riscos e a Síria é já um exemplo disso. Daí a importância das Parcerias pois, através de elas, pode-se empreender o treino de forças locais, como acontece em relação à União Africana.
Uma quarta consequência é que a OTAN, mesmo apesar de estas limitações, permanecerá como o ‘fornecedor de força militar’ mais importante do mundo.
Outra consequência será a confiança crescente da Aliança Atlântica nos instrumentos e capacidades que melhor pode controlar, e que têm sido a base da ‘nova OTAN’ para melhor combater as novas ameaças: a Defesa Antimíssil, a “Alliance Ground Surveillance/AGS”, o Policiamento Aéreo dos Bálticos, a Nova Estrutura de Comandos e a Defesa Cibernética.
Em suma, o Novo Conceito Estratégico basear-se-á na Defesa Coletiva (onde se nota a crescente importância do artigo IV, que fala de consultas entre os Membros), na Gestão de Crises e na Cooperação através de Parcerias, trilogia fundamental para o sucesso das Operações militares da OTAN.
 
Parcerias
A maior parte das Parcerias da OTAN foi criada ainda nos anos noventa, mas elas começaram a ganhar maior proeminência já neste século, principalmente na Cimeira de Lisboa, quando foram vistas como um dos novos três pilares da Aliança Atlântica (além de Defesa Coletiva e da Gestão de Crises).
Quando a OTAN deu início à formação das Parcerias, muitos questionaram-se sobre a sua necessidade e importância. Mas foi graças justamente a essas iniciativas que os Estados Unidos, a seguir ao 11 de setembro, tiveram acesso à logística militar desses países (como o Uzbequistão e outros países da Ásia Central), o que veio a favorecer as operações militares dos Estados Unidos e da ISAF no Afeganistão. 
Certamente que as diferentes parcerias não têm o mesmo valor para todos os 28 Aliados. O Diálogo do Mediterrâneo, por exemplo, assume maior relevância junto de países como Portugal, Espanha, Itália e França, do que para muitos Aliados do norte e centro da Europa. Estes são mais sensíveis às Parcerias com a Federação Russa, Ucrânia e Geórgia.
De início, as relações da OTAN com os Parceiros fizeram-se com base na partilha de valores comuns, como os ideais democráticas e o primado da justiça. Todavia, na era atual, estas premissas já não são tomadas tão em conta, importando mais para a OTANo papel que os Parceiros podem desempenhar nas suas Operações Militares (tenha-se em conta que 10% das tropas da ISAF pertencem aos Parceiros).
O princípio da diferenciação dos Parceiros, em que cada um destes tem um papel distinto e não é obrigatório que representem o mesmo valor para a Aliança, começou a ser adotada na Cimeira de Riga em 2006 e foi confirmado nas Cimeiras posteriores. Daí que não se possa equiparar a importância (como Parceiro) do Paquistão, um país em que o seu Exército e os seus serviços de Informação (o célebre ISI) são acusados de estarem infiltrados por simpatizantes dos Talibans e da Al-Qaeda, com outros Parceiros como a Austrália ou o Japão.
No seguimento do preconizado no novo Conceito Estratégico, prevê-se que a Aliança aprofunde as suas Parcerias e estabeleça ligações mais profundas com outras zonas do globo. Uma delas é com países do hemisfério sul, tendo Portugal estado na vanguarda deste movimento quando, em tempos, preconizou um relacionamento especial da OTAN com o Brasil (embora os brasileiros não tenham retribuído esse rol de intenções), enquanto são conhecidas os desejos espanhóis em aproximarem a OTAN de alguns países da América do Sul, como a Colômbia. Ainda em relação ao hemisfério sul, alguns Aliados têm defendido uma aproximação com a grande potência da África Austral, a África do Sul, constituindo a recente visita do Presidente Zuma a Bruxelas um sinal dessa aproximação; tenha-se em conta que a situação nalgumas zonas africanas (como no Congo e no Mali) tem dado sinais de crescente instabilidade, e Pretória ocupou recentemente a presidência da União Africana.
Em suma, num mundo crescentemente mais global, as Parcerias tornaram-se um instrumento fundamental para a “nova OTAN”.

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